domingo, 13 de julho de 2014

Perguntas sobre o Navio Monte Olívia


Há anos eu procurava esta foto...Todos da familia tinham na ponta língua a história da foto na qual apareceria minha Bisa, Lisette Schnarre, paradinha na escada do navio, quando da sua chegada ao Brasil, em 1879. Fui achar a foto no museu, depois de muita busca. Tinha o nome do navio e tudo...quem conhecia a foto logo falou, "uma dessas é a Bisa"!... Bem, existem muitos fatos que se perdem nas contações orais, de vózinha para netos, passando por noras, tardes de chuva com fotos antigas e chimarrão. 
O fato, é que  agora com a internet podemos pesquisar e confirmar ou não  os fatos, e para minha surpresa, essa foto não pode retratar a chegada dos meus antepassados ao Brasil...O Navio Monte Olívia fez sua viagem inaugural somente em 1925. As vestimentas das pessoas também denunciam uma data bem mais recente nessa foto, ou seja, pelo menos 54 anos depois da chegada dos Bisas Dauwe aqui. Mas existe outra curiosidade, pois há três pessoas marcadas nessa foto: parece um casal e uma filha, talvez, abraçados, e com um sinal de caneta no peito. Segundo o que se fala, seria a família de um médico amigo da Bisa Lisette.  Quem seria? alguém sabe? Eu acredito que com esse mundo digital sem fronteiras, um dia alguém navegando ao léo pela internet, em algum tranquilo domingo a noite, vai chegar nessa página, e encontrar a foto dos seus ancestrais nessa foto...Aì então, mato minha curiosidade e compartilharei com vocês, um outro capítulo deste mistério, que não deveria adormecer no esquecimento.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Outras Memórias de uma Mesma Guerra

Um documentário que deve ser visto por todos que têm interesse na história recente de nosso país.
Os depoimentos são comovedores, e apesar do filme tratar de Santa Catarinas, as dores, injustiças e abusos, são contados com o mesmo sotaque no Rio Grande do Sul, em Ibirubá, Quinze de Novembro, Santa Clara, e mundo a fora...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Ich kann schon brosiliónisch

uma história, que parece com a nossa...


"Ich kann schon brosiliónisch", uma infância entre dois mundos

Descendente de alemães nascida no interior do Rio Grande do Sul, a redatora da DW-WORLD Roselaine Wandscheer narra vivências e peculiaridades do dialeto alemão falado no Sul do Brasil.


O ano de 1969 foi um grande marco na minha vida. Não porque o primeiro ser humano pisou na Lua, mas porque comecei a freqüentar a escola. Isto para os filhos de "colonos", como ainda hoje se chamam os descendentes de imigrantes alemães no Sul do Brasil, significava aprender a falar português. Finalmente havia chegado a oportunidade de me igualar com minha amiga de infância, Marilene, filha do dono da "venda", que havia aprendido o idioma com os irmãos mais velhos e pelo contato com os brosilióner(Brasilianer, brasileiros), que freqüentavam o armazém.
Nasci em Batinga, um lugarejo de 120 famílias, quase todas de ascendência alemã. Os 19 quilômetros da estrada até a sede do município de Brochier ainda hoje são de chão batido, como quase todo o interior do Rio Grande do Sul. Nosso contato com o resto do mundo se dava através do rádio e do leiteiro, que ao passar todos os dias para recolher o leite trazia o jornal (do dia anterior) e encomendas especiais. Meu avô, o único assinante naquelas bandas, não se importava com o atraso. Lá, o mundo de qualquer forma girava muito mais devagar.
Muito não se precisava de fora, pois havia por exemplo ferraria, moinho, carpintaria e serraria no local, além disso todos eram mestres em auto-suficiência e improvisação no reaproveitamento de materiais. Já dentista e barbeiro atendiam com certa regularidade no salão de baile.
Aus der Schuul komme

Como só havia um professor, as quatro classes da escola primária tinham aula juntas na única sala do prédio, onde também funcionava a cozinha (nunca entendi por que naquele interior tão farto em alimentos recebíamos merenda escolar do governo, em forma de sopa e leite de soja). Embora o professor dominasse ambos os idiomas, éramos obrigados a falar português em aula.
Meus avós pertenceram à última geração alfabetizada em alemão. Naquela época, escola e religião corriam paralelas. Tanto, que se dizia Aus der Schuul komme (Aus der Schule kommen, terminar o primário) quando se fazia a comunhão ou confirmação (luteranos). Três bonecas, toda a riqueza de uma criançaTrês bonecas, toda a riqueza de uma criançaEra um marco importante na vida, pois se deixava de ser criança e se adquiria permissão para freqüentar o mundo dos adultos, ir a bailes e ter namorado (Schätzen haben).
Minha mãe já havia sido alfabetizada em português, mas estudou a  catequese em alemão. Até os anos 70, os pastores da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil vinham todos da Alemanha, sendo os cultos, portanto, em alemão. Hoje em dia, muitas comunidades ainda oferecem serviço em alemão em ocasiões especiais.
Assimilações entre alemão e português

Há enormes variações entre os dialetos falados nas regiões de imigração alemã no Brasil, dependendo do local de onde vieram os colonizadores. Enquanto dentro do Rio Grande do Sul há locais em que se diz Sonnabend para sábado, como no norte da Alemanha, em outras só se conhece a palavra Samstag.
Ao mesmo tempo, a falta de contato com a língua-mãe e sua evolução fez com que algumas palavras simplesmente fossem esquecidas, como reicht, trocada por es chegt(chega, é suficiente!). Em vez de Bonbon (bala em alemão), fala-se pale, o que está mais próximo do português. Também foram criadas palavras aportuguesadas para designar  "invenções modernas"  como o caminhão, que os colonos vieram a conhecer no Brasil (kamion, em vez de Lastwagen). Outras, que os alemães não conheciam ao chegar ao país, foram incorporadas ao dialeto. Servem de exemplo as palavras milhe (milho) epotreer, de potreiro (local cercado onde os animais pastam durante o dia).
Onde nasci, não se conhece a propagada expressão Mariechen, mach die janela zu, es chuvt. Em Batinga, diriam Marieche, mach der lóde (Laden) zu, das rehnt (regnet), para "Mariazinha, feche a janela, está chovendo".
Minha avó, por exemplo, entendia muito pouco em português. Certo dia, vieram "da cidade" à procura de meu avô e perguntaram: "Onde está ele?" A coitada atrapalhou-se toda, pois chamava-se Elli — que se pronuncia como "ele" —  e fez mil gestos para mostrar que ela estava ali mesmo.
Móie gehen un Tee trinken

Ao contrário das cidades tipicamente alemãs, que geralmente dispunham de  sociedades de canto, de atiradores ou de ginástica, as zonas rurais ofereciam aos colonos bem menos oportunidades de esquecer a dura vida no campo. Podia-se Uf die Mussik oder ufs Fescht gehen (Ir à música, ou melhor, baile,  ou à festa). Havia o Naijoarspól (Baile de Ano Novo) e o Vereinspól (Baile da Sociedade de Cantores), além do Kerb, a festa da igreja, que vem do alemão  Kirmes, quermesse. Nos finais de semana, os homens distraíam-se jogando cartas ou bolão, enquanto as mulheres iam tomar chimarrão nas vizinhas (Móie gehen un Tee trinken).
A festa de aniversário da igreja começava após o culto no domingo e ia até terça-feira. Havia bailes todas as noites, transmitidos ao vivo pelo rádio, e comida que não acabava mais para atender a todos os parentes.
Começava com o almoço. Após a sopa, era servido o assado, geralmente de porco, com arroz e massa caseira, salada de batata à moda alemã (com molho cozido) e outras saladas em conserva, feitas com muita antecedência. Para beber, cerveja, é claro. Mulheres e crianças tomavam suco de limão e sangeri, vinho com água e açúcar, talvez um legado italiano na colônia alemã.  De sobremesa, das síss (o doce) não podia faltar sagu com creme e diversas compotas de frutas. Primeiro eram servidos os homens, depois as mulheres e, por fim, as crianças.
Igreja da Comunidade Evangélica de BatingaIgreja da Comunidade Evangélica de BatingaApós uma pequena pausa, já era servido o café da tarde, com gefilte bolo (bolo recheado, torta). Diz-se também Torte, mas a palavra Kuchen (bolo em alemão) é usada apenas para um tipo de especialidade: a cuca, hoje inclusive motivo de festa típica no interior do Rio Grande do Sul. O pão de festa era o pão sovado, servido com sagu ou nata. No dia-a-dia, comia-se pão de milho. Muitas especialidades do Kerbhoje são encontradas nos cafés coloniais no Sul do Brasil.
Enquanto as festas religiosas, como o Natal, eram comemoradas com toda a comunidade no salão de baile, os vizinhos e familiares faziam juntos o pixurum da colheita (pixurum é o termo em tupi para mutirão), carneavam uma rês ou um porco, e se ajudavam nos dias de fazer schmia (o termo vem do alemão schmieren, barrar). Entre os descendentes de alemães no Sul, é a geléia de passar no pão. Ela pode ser feita à base de açúcar e frutas ou então à moda antiga, em enormes tachos a céu aberto, à base de caldo de cana e abóbora. Para variar, ou na falta de outra coisa para passar no pão, fazia-se eierschmier (um creme de ovos com farinha, leite, açúcar e banha).
Uma infância entre dois mundos

Entre os passatempos prediletos das crianças estava andar de schiesskarret, o carrinho de lomba (com rolimã). Nos campos íngremes, um esporte perigoso que podia levar a feridas feias. Para estes casos, ou os ainda mais graves, a mãe ou avó sempre tinhamMainzetrope (Mainzer Tropfen) ou ainda Springesalb (pomada Springer), sem falar nos emplastros e outros medicamentos caseiros.
O que eu sempre achei engraçado é que chamavam as pessoas pelo sobrenome seguido do nome, como Müllererwin, para Ervino Müller. Brinquedos havia poucos, pois só se ganhava presentes na Páscoa, no Natal e no aniversário. Aliás, ver a decoração do pinheiro de Natal era obrigatório. Embora não seja feriado no Brasil, ainda hoje não se trabalha em muitas localidades no interior, no segundo dia de Natal e de Páscoa, tal como na Alemanha.
É quando os afilhados vão à casa dos padrinhos buscar o päckchen (pacotinho), recheado de guloseimas, chocolates e toss no Natal (não se conhece a palavra Plätzchen, bolacha) ou de ovos ocos de galinha, coloridos e recheados com amendoim doce, na Páscoa.
Roselaine Wandschee






Fonte:Deutche Welle

Hunsrückisch

O dialeto esquecido
Comunidade no sul do país usou português para completar as lacunas do dialeto alemão que usa há mais de 180 anos

Edgard Murano


Cena do documentário Walachai (2009), de Rejane Zilles: dialeto como afirmação de uma cultura

No Rio Grande do Sul, a 100 quilômetros de Porto Alegre, fica Walachai, um povoado de origem alemã que sempre viveu à margem. Na pequena comunidade rural, localizada na Serra Gaúcha, as pessoas falam um dialeto alemão chamado Hunsrückisch - também conhecido como "hunsriqueano" - e ainda vivem como se vivia cem anos atrás. Não por acaso, Walachai quer dizer "lugar distante, onde o tempo parou" em alemão antigo, expressão que faz jus ao seu clima bucólico.
O dialeto hunsriqueano, com origem na região do Hunsrück, no sudoeste da Alemanha, é uma das línguas minoritárias mais faladas no Brasil. Por "língua minoritária" entenda-se o idioma de uma minoria étnica situada numa dada região. O dialeto hunsriqueano representa uma das trinta línguas trazidas ao país por imigrantes, ao lado de aproximadamente 180 línguas indígenas existentes no Brasil. Embora não haja um levantamento preciso sobre o número de pessoas que falam o dialeto, sabe-se que estão espalhados em 38 localidades, a maioria no sul do país - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - onde os primeiros alemães se concentraram, no início do século 19.
Arcaico
O distrito de Walachai ficou conhecido quando um professor local, João Benno Wendling, decidiu registrar a história de seu povoado em livro, ao qual teve acesso a diretora de cinema Rejane Zilles, natural da cidade.
Foi o bastante para que ela resolvesse transformá-lo no documentário O Livro de Walachai (2007), mais tarde retomado no longa-metragem Walachai (2009), exibido na 33ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro passado. Wendling dedicou toda sua vida à alfabetização em português das crianças do distrito, e suas anotações, mais de 400 páginas escritas à mão, formam um relato minucioso da cultura e dos costumes locais.
- Fiquei comovida com a dedicação abnegada deste homem, que durante nove anos, sem nenhum auxílio, se dedicou a registrar a história do nosso povoado. Percebi que tinha ali um ótimo roteiro, mas o tempo urgia, pois o professor na época já tinha 82 anos e a saúde debilitada - conta Rejane.
O hunsriqueano é uma espécie de alemão arcaico, recheado de expressões que não encontram mais equivalência na língua alemã atual. Esse dialeto vem sendo transmitido de geração em geração desde a chegada dos primeiros imigrantes alemães, há mais de 180 anos. Por ser essencialmente falado, o hunsriqueano praticado no Brasil não dispõe de uma escrita sistematizada, valendo-se, normalmente, do chamado alemão-padrão (Hochdeutsch) e do português para o registro.
Identidade
O professor Cléo Altenhofen, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que são frequentes e notórios os juízos de valor depreciativos sobre as línguas minoritárias, em especial aquelas orais, caso do hunsriqueano.
- Essa condição de dialeto, situado abaixo da norma padrão, e de língua marginal submissa à língua oficial, o português, aliada à posição social dos imigrantes, tem dado margem a depreciações do Hunsrückisch, incluindo atributos como verlorene Sproch ["língua perdida"], vebrochne Deitsch ["alemão quebrado"] ou Heckedeitsch ["alemão do mato"] - diz Altenhofen.

O professor destaca o valor social do dialeto.
- Uma língua significa muito mais do que uma lista de palavras ou de regras gramaticais. É também um sinal de identidade - justifica.
Empréstimos
A diretora Rejane Zilles sentiu na pele, durante uma viagem pela Alemanha, o peso da identidade e o "anacronismo" do dialeto de Hunsrück em relação ao alemão culto.
- Cheguei a Berlim falando apenas o dialeto. Eu me sentia quase um "objeto antropológico". As
pessoas tinham enorme curiosidade para saber de onde vinha esse alemão que eu falava e me diziam ser curioso ouvir uma pessoa jovem usando expressões tão antigas - diz ela.
Essa cultura própria, independente da matriz alemã, se evidencia nas influências do português sobre o hunsriqueano. Muitas palavras foram tomadas de empréstimo pelo dialeto devido à falta de conhecimento de suas correspondentes em alemão-padrão. Bom exemplo é "televisão", que não fora inventada à época da imigração. Foi "descoberta" mais tarde só pelo nome que lhe deram aqui no Brasil, ignorando que na Alemanha o aparelho chamava-se Fernseher. Há exemplos de hibridismos: Mais (milho) é de origem alemã, mas não era usada pelo dialeto. Em vez do alemão-padrão Maismehl (farinha de milho), o hunsriqueano criou o termo Milhomel. E de substrato: "guri", "menino" para os gaúchos, vai para o plural hunsriqueano com a flexão -e do paradigma alemão: Gurie (outros exemplos no quadro ao lado).
Segregação
Regina Zilles diz que, ao rodar o documentário, queria desfazer o mito de que as comunidades alemãs optem pela segregação cultural.
- Muitos acham que "esses alemães" ficam louvando a Alemanha e seus costumes, ao modo das típicas festas de Oktoberfest. É claro que há esse segmento, mas não é a realidade de Walachai, um lugar que conheço de dentro, pois nasci lá. A Alemanha de origem está muito distante para essas pessoas humildes, da qual não sabem nada e nem demonstram interesse em conhecer. Já se criou uma cultura própria e essa sim me interessa revelar - diz.
Há uma real dificuldade, especialmente entre os idosos em Walachai, de falar português. Isso se deve, em parte, à política de nacionalização do Estado Novo (1937-1945). Getúlio Vargas reprimiu o ensino de alemão nas escolas. A proibição, de forma vertical e arbitrária, prejudicou o aprendizado do português, pois os alunos chegavam à escola e não entendiam o que o professor explicava. Mesmo depois de 1939, com a Campanha de Nacionalização do Ensino, o governo não tomou medidas que incorporassem os colonos alemães à cultura brasileira, e o aprendizado de toda uma geração foi afetado.

Durante todo esse tempo, Walachai viveu o limbo de dois idiomas que se cruzam.

fonte: uol.com.br